Visão de Deus, A
Dissertações Espíritas
UNIDADE DE LINGUAGEM

(Paris, 23 de março de 1869)

A unidade de linguagem é impossível no mesmo grau que a unidade de governo, pelo menos até uma época recuada. Deixemos, pois, aos filhos de nossos netos o cuidado de pensar nas transformações lingüísticas que necessitarão suas épocas. O que importa hoje é aumentar os meios de relação, suprimir os entraves que separam as nacionalidades, considerar os homens como seres que falam a Deus numa linguagem diferente, que aprenderam a respeitar e a venerar sob formas diversas, mas que são todas suas criaturas no mesmo grau.

Dispensai largamente a instrução, fazei a filosofia simples e lúcida, desembaraçai-a de todas as mixórdias das camarilhas escolásticas; que vossas discussões tenham por objetivo os princípios, e não as formas de linguagem, a fim de chegardes, se não à verdade absoluta, pelo menos a vos aproximardes dela cada dia mais.

Estudai as línguas estrangeiras, mas conhecei bem, antes de tudo, a do vosso país; servi-vos delas para estudar a História, para apreciar os progressos do espírito humano e para vos 39 As subscrições, que não podem ser inferiores a um franco, são recebidas na sede da Liga, em casa do Sr. E. Vauchez, 53, rue Vivienne. criar um método de experimentação quanto à maneira por que são realizados. Não é a variedade, nem a multidão dos conhecimentos que fazem o homem verdadeiramente instruído; o importante não é saber muito, mas saber com segurança e com lógica.

As faltas das gerações passadas deveriam ser, para a geração contemporânea, espécies de arrecifes, indicados como objeto de estudo para os experimentadores, a fim de que neles evitem chocar-se... Os exploradores dos mares desconhecidos se expõem a sérios riscos, porque ignoram a causa e a natureza dos perigos que terão de enfrentar; se não descobrirem todos os arrecifes, ao menos os assinalam em maior número aos que devem percorrer as mesmas rotas depois deles, e cada um mantém-se em segurança. No oceano infinito que devemos percorrer para alcançar a perfeição, pareceria, ao contrário, que os escolhos atraem, que as correntes pérfidas são dotadas de um poder atrativo, de uma influência magnética irresistível. Cada um quer encalhar por si mesmo, não se importando com os que pereceram ao descobrir o abismo!

Quando, pois, sereis prudentes, ó homens!... Quando abandonareis vossas loucas e temerárias excursões sem método e sem freio?... Quando fareis da razão e da lógica vossos guias mais seguros?

Mas, se quiserdes aplanar a estrada e obter esse resultado, esquecei vossas dissensões intestinas; que o interesse particular desapareça diante do interesse geral, e que vossa divisa comum seja: Cada um por todos e todos por cada um.

Quereis a paz? Dai a instrução!...

Quereis o progresso do comércio, das artes, da indústria? Propagai a instrução!...

A instrução em toda parte e sempre!... é por ela e só por ela que desaparecerão as sombras; é ela que fará da inteligência uma força e da matéria um objeto; de Deus o poder criador e remunerador; do homem uma inteligência regenerada e progressista; de todos, enfim, os membros cooperadores de uma única e mesma família: a Humanidade.

Channing

A VISÃO DE DEUS

(Genebra, 11 de janeiro de 1869)

Perguntas como é possível à criatura, finita e limitada, ver o Criador, desde que Ele é infinito e não tem forma visível. Irmão, a visão de Deus não consiste em ver com o órgão visual, tal qual agora podes imaginar ou compreender; por isto se deve entender a visão do espírito ou inteligência. É uma visão sem imagem; é uma percepção, um conhecimento, uma expansão de amor irresistível; é a visão real das manifestações magníficas e inenarráveis da Divindade, a certeza inefável da presença e do amor infinito de Deus, em vez da visão de uma forma determinada que, por conseguinte, seria finita e não poderia ser Deus.

Aliás, toda coisa visível logo se torna conhecida e analisada em profundidade, porque é limitada e, conseqüentemente, não pode ser uma fonte de bondade eterna e infinita. Nesta maneira de representar a visão de Deus, cai-se forçosamente nas idéias pouco inteligentes e retardatárias, bem como na imobilidade dos bem-aventurados extáticos para sempre no paraíso. Ora, os que, depois de haverem esgotado as provas das vidas transitórias, chegaram ao topo da escala espírita, não cessam de ser ativos, porquanto, à medida que o Espírito se purifica e se aproxima de Deus, participa cada vez mais das perfeições divinas; e, como Deus é o centro e o foco da eterna atividade da vida, resulta que os Espíritos puros agem incessantemente, a fim de contribuírem com toda a sua liberdade e toda a sua força para a realização das vontades do Eterno. Sentem que o foco da caridade infinita os envolve, que a luz que jorra da face de Deus os ilumina e que a onisciência do Senhor lhes abre seus tesouros, e que o Todo-Poderoso os torna livres e fortes para dominarem os elementos, dirigirem as forças vitais, influírem sobre as inteligências dos Espíritos elevados, embora não chegados ao topo, e contribuírem eternamente para a manutenção da harmonia da Criação.

As palavras do apóstolo Paulo: “Videbimus Deum facie ad faciem” e “videbimus Deum sicuti est” não devem ser tomadas ao pé da letra, porque a criatura jamais poderá limitar Deus à sua medida, nem se tornar infinita, o que ressalta literalmente do texto de Paulo. Em vez disso, entendamos que os Espíritos puros terão noções de Deus sempre mais perfeitas à medida que crescerem em perfeição; que nunca mais o erro turvará o seu entendimento; que as delícias e o amor deste bem e desta beleza harmônica sem limite lhes serão desvendadas sempre mais, séculos após séculos, mas sem jamais conseguirem impor à Divindade nem limites, nem formas, nem imagens mais ou menos análogas às que são criadas pela imaginação do homem terreno.

Adeus; trabalha com coragem, porque, pelo trabalho e pelo exercício das faculdades que Deus te deu, não fazes no presente, com dificuldade, senão o que farás de outro modo, e com delícias sem-fim, por toda a eternidade, quando todas essas mesmas faculdades tiverem recebido o desenvolvimento necessário.
R.E. , setembro de 1869, p. 390